domingo, 13 de janeiro de 2013

Yes, nós selecionamos os foliões

Vou voltar um pouco no tempo e contar duas histórias pessoais para contextualizar uma situação no presente. Tratam-se de dois fatos relacionados com a folia soteropolitana. No carnaval de 1998, ano em que passei no vestibular para cursar Ciência da Computação, decidi ser comissário de um bloco de carnaval. Para quem não conhece esse papel, é uma espécie de promoter de boate. Naquela época, era obrigatório ser sócio para brincar na maioria das entidades carnavalescas. Para associar-se, o folião deveria preencher um formulário com dados pessoais, como nome completo, endereço, telefone, foto 3x4, etc. O trabalho do comissário consistia em ir até o maior número de pessoas possível e levar o formulário para o bloco; em resumo, obter mais sócios. A cada dez abadás vendidos, o comissário ganhava um de bonificação. Eu não tive muito sucesso nas vendas, nunca fui bom nisso. O máximo que fazia era colocar anúncio no jornal e tentar convencer as pessoas ao meu redor. O fato é que nenhuma solicitação de adesão que entreguei foi aceita. Lembro de ir ao encontro de três irmãs no Vale dos Rios, daqueles bairros formados por conjuntos habitacionais, e ter preenchido as propostas que foram posteriormente negadas pelo bloco. 

Quem nunca ouviu a expressão: "o metro quadrado mais bonito do carnaval"? Até pouco tempo, este era o slogan do Bloco Eva. Pois então, associar-se a um desses blocos não era uma tarefa fácil. O carnaval já tinha ares capitalistas como tem hoje - claro que muito mais desenvolvidos -, mas não bastava ter dinheiro para comprar o abadá e brincar em blocos tradicionais. Os formulários entregues eram avaliados e apenas os candidatos com perfil adequado para o bloco eram aprovados. Uma pessoa que morasse em um bairro pobre poderia ser aceita, contanto que fosse bonita (?). Todos os blocos queriam o título de mais bonito (?) da avenida.

Nessa época, também, eu namorava (dessas relações rápidas que acabam por falta de interesse de uma das partes) um rapaz moreno, de cabelos curtos e crespos, lábios grossos e nariz achatado - se quiser chamá-lo de negro, fique à vontade, mas sugiro, mesmo por mera curiosidade, que pergunte-lhe antes como ele se enxerga. Ele costumava sair no Eva no carnaval. Era algo que ele falava com orgulho. Não era à toa. Brincar nesse bloco era um privilégio para poucos. Mas ele não participava do processo de seleção: uma vez ele me contou que conhecia alguém da administração do bloco. Essa era uma situação corriqueira. Meu ex-namorado-paquera-ficante não era o único a tentar meios de burlar o pente fino social dos blocos.

Hoje em dia, os meios de segregação são outros, menos estarrecedores, já que a priori todos podem comprar o abadá. Visíveis mesmo são os efeitos, escancarados nas coberturas jornalísticas, nas imagens aéreas feitas das avenidas por onde desfilam os blocos. Um exemplo disso é a promoção feita pelo Bloco Yes. Há duas semanas, um colega me contou que essa entidade carnavalesca possui uma lista de "interessados". Para fazer parte dela, deve-se saber o contato das pessoas que a controla. É necessário informar alguns dados a esses promoters, é claro, incluindo o perfil do facebook. Olha, que moderno! Confirmada a veracidade dessa informação, não seria o perfil do facebook o novo formulário de adesão? Meu colega disse que, apesar de notar certa discriminação nessa atitude, vai adiante, pois o desconto concedido é muito bom e o bloco tem como atração um DJ internacional renomadíssimo.

Na página do bloco no facebook, encontrei mensagens de várias pessoas pessoas procurando pela tal lista para o carnaval deste ano. Para conferir com os próprios olhos, acesse este link. Abaixo, a imagem da página capturada em 17/01/2013. Repare no canto inferior direito, caixa "Recommandations" (está em francês). De fato, a lista existe, só falta confirmar os critérios usados para seleção dos foliões. Pelo que tudo indica, pouca coisa mudou de alguns anos para cá.

Página do bloco no facebook com mensagens que procuram pela famigerada lista

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