terça-feira, 10 de setembro de 2013

Exposição fotográfica "Fluxo"

Começa na próxima quinta-feira 12 e vai até 30 do mesmo mês a exposição fotográfica "Fluxo", de Agnes Cajaíba, no Espaço Xisto Bahia, ao lado da Biblioteca Pública, nos barris. Composta de dez fotos, a exposição foi vencedora do edital Portas Abertas para as Artes Visuais, da Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB). Na abertura, haverá uma mesa redonda, na qual os convidados discutirão o tema "(Trans)Identidades". Na sequência, quatro transformistas farão performances exclusivas para a ocasião.



Integrante da equipe Labfoto, da UFBA, a fotógrafa baiana registrou as transformistas em suas residências, buscando captar o íntimo por trás do viver artístico das personagens. Dentre outros trabalhos de Agnes, destaca-se o fotolivro "Imóveis - um ensaio sobre o abandono", organizado por Carolina Coelho, publicado pela Edufba e disponível no Blurb.



"Fluxo" segue o mesmo conceito da exposição "BODYXX - uma experiência trans*cultural", da qual participei da concepção, produção e curadoria. Ambas buscam a intimidade das personagens, visibilizando a sua essência e, ao mesmo tempo, contribuindo para a quebra da binarização dos corpos -- a formação cultural de homens e mulheres baseada exclusivamente no sexo. No entanto, "Fluxo" possui um escopo mais reduzido, focando-se apenas nos artistas transformistas.



terça-feira, 3 de setembro de 2013

[Debates #3] Educação Sexista

Eis o último e o mais interessante debate promovido no semestre passado. Como disse no primeiro debate publicado aqui no blog, os relatórios resultantes faziam parte da avaliação da disciplina Estudos das Culturas. Infelizmente, não houve incentivo por parte da empresa nem por parte dos colegas em prosseguir com a experiência. Apesar de muitos terem me procurado para dizer que gostaram de participar dos debates, ninguém efetivamente demonstrou interesse em sua continuidade. Infelizmente, analistas de sistemas preferem limitar-se a temas tecnológicos. Um evento organizado por um colega para discutir temas diversos, distantes do cotidiano do trabalho, e mais aprofundadamente, parece só funcionar com a anuência da chefia. Talvez as pessoas só compareçam para agradar aos seus superiores. Uma pena.



Este relatório apresenta uma análise do último debate promovido como pré-requisito para aprovação na disciplina Estudos das Culturas. Ele ocorreu em 20 de fevereiro de 2013, às 12h30, durante o horário de almoço, numa sala de reunião da empresa em que trabalho, com a presença dos colegas Ana Regina, Regina Lúcia, Gabriel Musse, Isabel Nadine e Fábio Silvestre, envolvendo o tema “Educação Sexista”. O debate foi registrado em vídeo, em duas partes.

Iniciei o debate, perguntando a todos se possuem ou desejam possuir filhos, se quiseram ou quererão saber o sexo da criança antes do seu nascimento e o motivo. Dessa forma, iniciando com perguntas e não diretamente com o vídeo, o tema foi introduzido aos poucos, resultando em respostas mais espontâneas e verdadeiras. Isso possibilitou também a percepção de contradições ao longo do debate, à medida que o tema surgia com maior precisão e denunciava algo cotidiano, porém pouco questionado.

Apenas Isabel e Fábio ainda não tem filhos. Todos os outros participantes possuem ao menos um. Regina e Gabriel, por exemplo, possuem dois e ambos, quando indagados sobre o motivo de querer saber o sexo dos bebês, responderam só ter desejado saber o do segundo filho. Na primeira vez, quiseram manter a surpresa. Regina mencionou que sofreu pressão da família para saber o sexo do segundo filho, pois todos queriam um casal – ela já tinha uma menina. Gabriel salientou que, para ele, isso foi importante para montar o enxoval, “pra comprar a cor certa”. Ana foi ainda mais enfática ao dizer que precisava saber o sexo para não se privar de     “fazer um quarto completamente cor de rosa”, caso tivesse uma filha, tal qual ela pareceu sempre sonhar. De fato, a mesa de trabalho de Ana é repleta de pequenos objetos, a maioria na cor rosa, refletindo sua posição sobre o assunto. No entanto, contrariando seu desejo, ela teve um filho e, por isso, preparou um quarto predominantemente azul, com “tema de menino”.  Isabel disse, com menor ênfase, desejar saber o sexo do bebê pelo mesmo motivo. Para Fábio, “tanto faz”. Ele não pareceu disposto a discutir esse tema e se retirou da sala no início do debate.

A próxima pergunta referia-se às decisões tomadas após se ter ciência do sexo da criança. Ana respondeu que procurou conhecer o “mundo menino”. Citou ser mais fácil, hoje em dia, escolher presentes para meninos – ela sabe o que gostam, os heróis preferidos, os canais de TV que assistem, etc. Disse ser fácil comprar presentes para meninas na faixa de oito anos, pois já estão “ficando moças”. Exemplificou: kit de maquiagem, esmalte para as unhas, necessaires, etc. Os exemplos citados foram de produtos de beleza, mostrando como as mulheres são estimuladas desde crianças a ter um padrão de feminilidade. Quando indagada sobre o conceito de “mundo menino”, comentado anteriormente, ela prosseguiu com a ideia já iniciada, afirmando que os meninos enxergam o mundo de outra forma, que as meninas são mais românticas e doces. Em seguida, contou como se comporta frente à obrigação de assumir duplo papel na educação do filho, sendo pai e mãe. Pareceu-me fuga à pergunta, talvez por ter notado certo sexismo no seu discurso. O vídeo seguinte mostrou claramente de que tema se tratava o debate e suscitou por partos participantes a análise das respostas que tinham dado até aquele momento.

O primeiro vídeo apresentado (logo abaixo) foi de uma menina inglesa, com idade próxima a três anos, que questionava ao pai o motivo de não poder ter super heróis de brinquedo, como os meninos, e ter que se contentar com a cor rosa. Terminado o vídeo, Gabriel criticou o comportamento da maioria das pessoas, afirmando que somos acomodados e não questionamos o que nos é imposto culturalmente. Para ele, a gente apenas vai se adequando ao modo padrão de viver. Destacou haver diferenças de criação: meninos brincam de caminhão e meninas de boneca, pois estas são educadas para ser mães. Questionei se uma inversão de cores (rosa para meninos e azul para meninas) ou uso de múltiplas cores para ambos teria alguma influência negativa. Todos responderam que não. Isabel disse que pretende usar temas neutros na decoração do quarto do(a) filho(a), pois acha rosa cafona. Nas declarações seguintes, notei uma postura defensiva de alguns participantes. Vários exemplos pessoais foram apresentados, todos pontuais, para mostrar que o interlocutor não aplicou uma educação sexista em algum momento. De fato, as afirmações feitas na primeira etapa do debate, em que os participantes apenas respondiam as perguntas, geraram um certo desconforto após a apresentação do vídeo. Regina disse não se sentir confortável em contar detalhes – talvez fatos – da sua educação e da educação de seus filhos. Então, relatou que sua sobrinha sempre gostou de brincar com meninos e que seus pais tentaram mudar isso diversas vezes. 


Pouco depois, um vídeo promocional da fabricante de brinquedos infantis Magic Toys foi apresentado. Nele, era exibido o portfólio de brinquedos para meninas. Vários trechos remetiam ao assunto discutido e retratavam o comportamento esperado de uma menina quando adulta: “As máquinas de lavar são super divertidas”, aprende-se sua utilidade brincando; “As pias funcionam de verdade”, permitindo que a criança pratique as funções que desempenhará no futuro; “O fogão Master Chef é igual ao da mamãe”, indicando o motivo para elas desejarem ter um. Regina e Gabriel imediatamente disseram que se tratava de uma lavagem cerebral, que à menina já é ensinado a ser dona de casa. Ana mostrou-se contrária, dizendo que nos tempos atuais, o principal objetivo das mães para com as filhas é estudo/profissionalização, mas que as mulheres, quando adultas, de forma inconsciente, continuam a se preparar para cuidar da casa, dos filhos e do marido. Discordo da afirmação de Ana, pois não considero a educação apenas relacionada à educação formal e muito desse pensamento adquiri com os debates em sala de aula. Assim, a relação entre os pais, a divisão de tarefas domésticas, os papéis que exercem na educação dos filhos, os diferentes assuntos abordados no ambiente do lar, os gostos demonstrados, a escola, o convívio com as amigas e os amigos, a mídia, tudo embute sexismo na formação do indivíduo.


Regina contou uma experiência pessoal. Disse ter sido criada no meio de meninos – ela possui três irmãos – e que sempre foi normal participar de grupos misturados, em que todos brincavam juntos. Porém, contou que, ao brincar de casinha, a menina mais velha (não o menino mais velho) ia para o fogão cozinhar para todo o grupo. Ela não notou, mas ao dizer isso confirmou a divisão 'natural' de papéis de acordo com o sexo. A temática prosseguia até Regina, de forma espontânea, associar o tema à violência contra a mulher. Este era o ponto a ser tratado pelos slides seguintes, dois materiais publicitários referentes à campanha contra a violência. No primeiro, solicitado pelo Governo do Estado da Bahia, à época do carnaval deste ano, apelava para um tratamento adequado para a mulher durante a folia. No segundo material, um vídeo promovido pelo Governo do Equador, denunciava o machismo como crime e narrava a sucessão de gerações de uma família e a passagem da cultura sexista entre elas.

O sexismo é a base do machismo, e este, por si só, é uma violência contra o homem e a mulher. As consequências da educação sexista extrapolam a relação heterossexual binária. De fato, as questões de gênero são bem mais amplas. Boa parte do preconceito existente hoje contra homossexuais e trans* advém do sexismo e sua normatização do corpo masculino e feminino. Como esse grupo transgride a relação com o corpo biológico, desvirtuando-o segundo a ‘norma’, não possui uma divisão clara de papéis. Por isso, os demais tendem a ter dificuldade de entender, por exemplo, uma relação homoafetiva com naturalidade. É comum enxergarem um macho e uma fêmea na relação, tentar encaixá-la em seu mundo. Conforme afirmou Guacira Lopes Louro [1], a sexualidade não pode ser considerada através de uma abordagem meramente biológica, pois as identidades se definem no âmbito da cultura e da história. Além do mais, o corpo (comportamento e gestos) não é mais representação da identidade. Atualmente, podemos nos deparar com mulheres heterossexuais cada vez menos doces, românticas e sonhadoras. Algumas até com ‘trejeitos mais masculinos’. A situação é ainda pior quando se trata de travestis, transexuais e transgêneros por transgredirem ainda mais os conceitos estabelecidos. Não é à toa que estes são alvos de preconceitos dentro do próprio grupo LGBTQ. E também não é à toa que esses atos negativos estejam aumentando, devido à visibilidade que estas minorias estão alcançando e às conquistas no campo do direito, como o uso do nome social, a possibilidade de realização da cirurgia de mudança de sexo pelo SUS, entre outros. Trata-se da interação entre os grupos, os minoritários e os normativos, a chamada interculturalidade [2].

Referências

[1] LOURO, Guacira Lopes. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
[2] DA SILVA, Tomaz Tadeu. Diferença e identidade: o currículo multiculturalista. In: Documentos de Identidade, uma introdução às teorias do currículo. 2ª edição. Belo Horizonte: Autêntica, 2007, p. 85-90.