sábado, 29 de junho de 2013

[Curtas #3] A Ilha

Este curta-metragem de animação, produzido em 2008, conta a história de Edu que, assim como nós, é morador de uma metrópole brasileira e sofre diariamente com os problemas de mobilidade urbana. De lá para cá, a situação não melhorou. Diria até que piorou. As políticas de aquecimento da economia interna privilegiaram as empresas automobilísticas, diminuindo impostos que permitiram a venda de carros novos a preços mais baratos. As soluções para os engarrafamentos sempre buscam alargar ou criar novas vias de circulação de veículos, principalmente particulares. Os grandes centros transformam-se em grandes emaranhados de asfalto, com viadutos cada vez mais arrojados. Torna-se imperativo ter carro, não só pelo incentivo ao consumo, mas para a locomoção mais rápida e confortável. O transporte coletivo é relegado e entregue às companhias privadas que visam apenas o lucro. As manifestações contra o aumento das passagens de ônibus e metrô que eclodiram em São Paulo e se espalharam para outras cidades brasileiras mostram o auto nível de saturação que a mobilidade urbana atingiu. O curta é dirigido por Alê Camargo e produzido por OZI Escola de Audiovisual de Brasília.


segunda-feira, 17 de junho de 2013

[Copa #1] A FIFA brinca de amigo oculto

Se você já participou de amigo oculto no fim do ano, na época de Natal, já deve ter percebido que ao menos um participante sai insatisfeito com o presente recebido. Sabe aquele parente, amigo ou colega sem noção que resolve presentear o azarento sorteado com um porta-retrato, um pacote de cuecas, uma caixa de chocolates sortidos, etc? E quando cada um divulga uma lista de presente que deseja ganhar e o tal amigo ignora? Pois é, amigo oculto é que nem futebol, uma caixinha de surpresas. Não dá para confiar na técnica e nas regras do jogo. Surpresas acontecem com frequência. E a FIFA, a maior entidade futebolística do mundo, representa o nosso amigo espírito de porco. Para a Copa das Confederações, só recebemos dela presentes de grego.


Afora as exigências cabulosas, que vão de encontro até às leis do país-sede, quem tentou e/ou conseguiu comprar ingressos para a Copa das Confederações deve ter sido pego de surpresa. Nada de filas, horas em pé aguardando sua vez, sistema que sai do ar, etc. Oportunidade igual para todos os torcedores do mundo. Apenas um canal de vendas foi disponibilizado: a Internet. Até aí, tudo bem. Mas foi só a venda começar para chover problemas.

Na pré-venda de ingressos para clientes Visa, o sistema apresentou lentidão, não suportou a quantidade de acessos simultâneos. O processo de venda era complexo, composto por seis etapas. E muitas informações importantes foram omitidas. O valor do ingresso para as partidas era dividido em categorias, cada qual correspondendo a um setor da arquibancada. Quem está acostumado a comprar ingressos para shows e peças de teatro, por exemplo, sabe que o valor diminui ou aumenta de acordo com a posição da poltrona, a melhor visibilidade que se tem do espetáculo. Mas a FIFA não disponibilizou o mapa de assentos dos estádios. Sequer um mapa apenas com as áreas reservadas para cada categoria. Não era possível saber a diferença entre elas além do custo cobrado. O público foi obrigado a comprar no escuro.

Também não foram disponibilizados ingressos de meia-entrada para estudantes e idosos. Estes só foram vendidos na terceira fase de vendas, mediante sorteio (!!!). O torcedor acessava o site, preenchia um cadastro e solicitava uma quantidade limitada de ingressos, entre eles a meia-entrada. Posteriormente, ele recebia uma mensagem da FIFA autorizando a compra. Onde já se viu isso?

Para comprar ingresso, independente da fase, tinha que criar um cadastro, mediante preenchimento de formulário. Entre as informações solicitadas, estava o CPF. Este era validado e, por incrível que pareça, o algoritmo de validação estava errado. A minha identificação e a de outros colegas de trabalho apresentou irregularidade no dígito verificador. O cadastro foi realizado após muitas tentativas. Será que testaram o sistema antes de disponibilizá-lo aos usuários?

Agora, o pior problema de todo o processo de venda de ingressos. No ato do pagamento, após informar os dados do cartão de crédito e confirmar a operação, o sistema apresentava muita lentidão. Aparecia a mensagem de processamento durante mais de um minuto. Algumas pessoas tentaram retornar para a tela anterior para tentar novamente. E conseguiram. Porém, o pagamento foi debitado do cartão duas vezes, uma vez para cada tentativa, mesmo que a primeira não tenha tido confirmação da compra. Isso repercutiu nos jornais. E qual foi a solução da FIFA? O espectador deveria enviar e-mail e aguardar a resolução do problema. Aqueles que não tinham tentado comprar ingresso novamente (debitado duas vezes), tiveram que esperar para saber se iriam ter ingressos.

É de se espantar que problemas como esses ocorram, pois se trata de um evento promovido pela entidade máxima do futebol, acostumada a produzir grandes eventos em todo o mundo. Em agosto, começa a venda de ingressos para a Copa do Mundo 2014. Será que os problemas persistirão? Além disso, as próximas Copa das Confederações e Copa do Mundo serão na Rússia, em 2018. Vale a pena acompanhar para verificar se os  mesmos desmandos e os problemas técnicos dignos de uma empresa amadora se repetirão.

* Esta é só a primeira de uma série de publicações sobre a Copa.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Ver não é olhar


É preciso ter tempo para ver os rostos e a paisagem. Para se evidenciarem a força e a atmosfera que deles emanam. O drama interior das pessoas, a serenidade dos lugares. Tudo aquilo que não se estampa de imediato. [1]

A elaboração artística consiste em transformar o espaço do plano pictórico em espaço expressivo. [3]

A percepção do outro depende da leitura dos seus fenômenos expressivos dos quais o olhar é o mais prenhe de significações. [3]



Os olhos recebem passivamente, com prazer ou desprazer, contanto que estejam abertos, verdadeiras sarabandas de figuras, formas, cores, nuvens de átomos luminosos que se ofertam, em danças e volteios vertiginosos, aos sentidos do homem. E o efeito desse encontro deslumbrante pode ter um nome: conhecimento. [3]

A cada quebra, uma nova face fica exposta, refletindo também um novo ângulo. [4]


Diante do que vemos, são espelhos que nos olham. [4]

Cada vez que se olha para uma forma expressiva, o próprio olhar encerra um momento de avaliação, de referência a si próprio, de referência a ritmos e tensões de espaços vividos e reencontrados na imagem. [3]

Quanto mais rápido o movimento, menos profundidade as coisas têm, mais chapadas elas ficam, como se estivessem contra um muro, contra uma tela. [2]

Referências

[1] PEIXOTO, Nelson Brissac. O Olhar do Estrangeiro. In: NOVAES, Adauto. O olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. P. 361-365.


[2] PEIXOTO, Nelson Brissac. Ver o invisível: a ética das imagens. In: NOVAES, Adauto. O olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. P. 301-319.

[3] OSTROWER, Fayga. A Construção do Olhar. In: NOVAES, Adauto et al. O Olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. P. 167-181.
 
 [4] CAMPOS, Elisa. Planos de Clivagem: Uma Abordagem sobre o Olhar. In: Concepções contemporâneas da arte. Belo Horizonte: UFMG, 2006.













quinta-feira, 6 de junho de 2013

Apenas mais um dia no Fórum Ruy Barbosa

Último dia do mês de fevereiro deste ano não bissexto. Desejávamos ter sido quatorze do mesmo mês, mas o carnaval e o recesso judiciário não permitiram. Fazia muito sol, como de costume em Salvador. Era também a segunda e a última manhã de quinta-feira dedicada a casamentos, como acontece todos os meses. Como era de hábito, os noivos e as noivas, cuja cerimônia fora agendada para a mesma data, estavam presentes, vestidos a caráter. Alguns até mais do que necessário. As mulheres vestiam-se de noivas. Algumas tinham até damas de honra. Todo a teatralização da cerimônia cristã. Tratavam-se de pessoas de baixo poder aquisitivo, que não podiam arcar com os altos custos de uma cerimônia religiosa. E, claro, existiam aqueles que preferiam apenas o registro civil. Encaixamo-nos neste último perfil. Desconsidero aqui a crítica quanto ao fato da maioria das religiões e templos não concordarem com o casamento entre pessoas do mesmo sexo, já que somos ateus. Não faríamos uma cerimônia religiosa, de qualquer forma. Apesar disso, o processo contempla aspectos do ritual cristão, para consolo dos que não puderam estar num altar. Inicialmente, ficam os casais e suas testemunhas (padrinhos?) sentadas num espaço exclusivo, aguardando ser chamados pelo microfone. O casal pode requerer uma sala privada com a presença apenas de seus convidados, pagando uma grande quantia a mais. Optamos pelo Salão Nobre do fórum, como os mais de vinte outros casais, um casamento coletivo. A tabeliã do cartório no qual demos entrada no pedido de união confirma nossos nomes, nos pergunta se temos alianças para trocar. Todos fazem o mesmo, sem distinção. Alianças entregues, assinamos o registro civil. Em seguida, as testemunhas o fazem. A Juíza chega e o juramento é feito olhos nos olhos. Após o "sim" e as alianças devidamente colocas no dedo anular da mão esquerda, é dado espaço para o beijo. Como de praxe, ela homologa a união e entrega de imediato o registro, o qual mostramos orgulhosos para amigos e familiares presentes no Salão. Na área externa, em meio às parabenizações costumeiras, relatos da surpresa causada aos convidados dos demais noivos. Os comentários variaram de notória desinformação -- "Não sabia que gays já podiam se casar" -- ao trivial preconceito -- "Devia ser numa sala separada" --, quando não as duas coisas juntas. Ouvindo tal comentário de desinformação da senhora sentada na fila posterior, minha mãe olhou para trás e disse, categoricamente: "Pode, claro que pode. Tanto pode que ele está lá. É meu filho". Uma sessão de fotos tendo o fórum como pano de fundo seguiu-se ao casamento. Horas depois, todos nos encontramos numa recepção intimista. Optamos por comemorar a união com um almoço no pequeno restaurante que mais frequentamos na cidade, com um cardápio preparado para a ocasião. Convidamos somente pessoas íntimas para partilhar o momento. Ainda assim, não conseguimos convidar todos, infelizmente. Mas não queríamos festa grande. Recepção para duzentos ou mais convidados é para quem gosta de mau olhado e de estar com gente hipócrita. A "sociedade" podia (e foi) notificada do casamento através das redes sociais. É por lá que mantemos "contato" com a maioria das pessoas mesmo... A lua-de-mel foi na cidade que fizemos a primeira viagem juntos e da qual gostamos bastante: São Paulo. A vida de casado ainda não começou de fato. Aguardamos ansiosos a entrega do apartamento comprado em 2009. Feito isso, e após uma digníssima reforma, inauguraremos uma nova rotina em nossas vidas, não muito diferente da que já possuímos, mas com maior intensidade.