sábado, 16 de novembro de 2013

Areia e Tempo na Narrativa de uma Vida [1/4]

Tudo começou quando Luiz Carlos Barreto avistou a foto de uma casa parcialmente soterrada pela areia em um bar do Ceará. Curioso, perguntou ao dono do estabelecimento de quem era aquela casa. Ficou sabendo, então, que a antiga moradora passou toda a vida lutando contra a areia e que a casa foi soterrada apenas após a sua morte. A história tocou o produtor, que vislumbrou ali o ponto de partida para uma fábula. Conversou com o diretor Andrucha Waddington a respeito da ideia e, então, os dois chamaram a roteirista Elena Soárez para elaborar o argumento do filme. O roteiro levou dois anos para ser finalizado.


Casa de Areia foi lançado em 2005. Neste e no ano seguinte, participou de importantes festivais de cinema, como Toronto, Berlim e Sundance. Fernanda Montenegro e Fernanda Torres repetem os papéis de mãe e filha nesta ficção. A história conta a saga de Áurea, vivida por Torres, que, conjuntamente com sua mãe, D. Maria, vivida por Montenegro, chegam a um manancial de areia, no Maranhão, levadas por Vasco, marido de sua filha. Este acreditava ter adquirido terras férteis, as quais poderiam lhes dar uma melhor condição financeira. Porém, eles não sabiam que o desconhecido local ficava distante dos centros urbanos e que era um grande labirinto de areia.

Áurea sente-se isolada e presa naquele local inóspito. Grávida, teme que seu filho nasça e cresça ali. Esperançosa de poder mudar seu destino, convence a mãe a ir embora. Inúmeras tentativas de fuga são feitas pelas duas mulheres, que travam verdadeiras batalhas contra o destino. Porém, o sucesso de seus planos de fuga não depende exclusivamente delas. Primeiro, não encontram uma rota rápida e direta para uma cidade próxima – o mar aberto não é propício para uma viagem de barco de pequeno porte. Em seguida, a gravidez de Áurea, em estágio avançado, e a idade de sua mãe, dificultam cada vez mais a mobilidade. O movimento intenso das dunas exige mudanças de comportamento das personagens. O local parece ser o grande empecilho para  a tomada  de  rumo delas. Direta ou indiretamente, o ambiente as obriga a recomeçar. Até que, com o tempo, elas aprendem a conviver com ele e conseguem, consequentemente, apropriar-se de suas vidas. O filme narra, dessa forna, o périplo de uma mulher que, isolada, reconfigura sua vida , dando-lhe novos significados.


O isolamento do local não foi empecilho apenas para as personagens. O filme teve uma produção difícil de ser realizada. A cidade mais próxima dos Lençóis Maranhenses, Santo Amaro, não tinha estrutura para acolher os mais de cem integrantes da equipe. Ela possuía apenas uma pousada e outra ainda sendo construída. A produção teve que arcar com o término da construção da segunda pousada para viabilizar a filmagem.

As dunas também causaram transtornos à produção. Em um mesmo dia, sete jipes quebraram por conta dos solavancos e dos constantes atolamentos na areia. As salas de estúdio, de direção, os camarins tiveram de ser construídos sobre a areia, tendo que enfrentar ventos fortes. O teto da sala de direção desabou numa noite de chuva torrencial, alagando e danificando equipamentos. Mas tais dificuldades já faziam parte do currículo do diretor Andrucha Waddington.


Em 2000, Andrucha rodou o filme Eu Tu Eles no sertão nordestino. A região de ambos os filmes é a mesma, mas o clima é diferente. Por conseguinte, a paisagem também. A fotografia é uma marca das duas obras, mas possui sentidos opostos. No primeiro, a paisagem se sobressai. Há uma explosão de cores características da vegetação e das construções da região. Em Casa de Areia, a fotografia é mais contida. O tom é sóbrio, quase monocromático, principalmente nas cenas iniciais. Ricardo Della Rosa, diretor de fotografia, opta por não destacar a paisagem. Ela é parte integrante da história e não deve sobressair apenas como beleza natural, um lugar exótico.

É também repetido o trabalho conjunto com a roteirista Elena Sóarez e as atrizes Fernanda Torres e Fernanda Montenegro, esposa e sogra respectivamente. A parceria com a roteirista vem de 1999, com o longa Gêmeas. O feito foi repetido em Eu Tu Eles e também em Casa de Areia. Gêmeas contou, também, com a atuação das duas atrizes. No entanto, elas não contracenaram juntas. Em Casa de Areia, elas interpretam filha e mãe, tal qual na vida real, contracenando juntas pela primeira vez na carreira.

Esta análise detém-se basicamente sobre aspectos do filme que enfatizam o seu caráter poético. As personagens tem pouco diálogo. Diversos elementos são, então, utilizados para dar significado às emoções das diferentes vidas presentes na obra, indo muito além da interpretação artística. Em Casa de Areia, abstrações como o ambiente e o tempo são também personagens. Por isso, a análise debruça-se sobre esses personagens abstratos e as modificações que causam às personagens concretas. A decupagem da abertura e do fim do filme é feita para auxiliar o processo de análise.

Leia a segunda parte da análise, clicando AQUI.

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