domingo, 14 de abril de 2013

A saída do armário de Daniela Mercury e o discurso de denegação

Vou voltar um pouco no tempo. Não muito, apenas uma semana. Domingo passado, 7 de abril, após uma sessão de cinema, em um café, eu e meu marido conversávamos com amigos a respeito da 'saída do armário' de Daniela Mercury. Um deles demonstrou, antes do encontro, estar ansioso por esta conversa. Queria emitir e ouvir a opinião dos demais. Pouco depois de iniciado o assunto, ele questionou o ato da cantora, desconfiando se tratar de uma jogada de marketing.

Agora, salto para a terça-feira seguinte, 9 de abril, aula de ginástica laboral em uma sala reservada da empresa. Eu e mais 7 colegas analistas de sistemas estávamos presentes. Ao todo, 7 homens e 1 mulher. Durante os exercícios, ouvimos Ana Carolina ao fundo. A primeira música a tocar se chama "Homens e Mulheres" e diz "Eu gosto de homens e de mulheres / E você, o que prefere?". Duas músicas depois, ouve-se "Eu Comi a Madona", na qual a cantora, entre outras coisas, diz "Me esquenta com o vapor da boca / E a fenda mela / Imprensando minha coxa / Na coxa que é dela (...) Fui eu quem bebi e comi a Madona". Silêncio absoluto. Ninguém tece um comentário sequer. Ao fim da aula, a instrutora, sem nenhum estímulo aparente ao assunto, fala do 'caso' Daniela Mercury em tom de piada. Ela afirma se tratar de uma síndrome de abstinência midiática, pois a cantora certamente queria voltar ao foco da grande mídia.

Daniela Mercury e sua esposa apoiando o Casamento Civil Igualitário.
Antes que o assunto se desenvolvesse, eu me retirei da sala onde ocorria a ginástica laboral. Não sei como terminou o assunto, quais comentários vieram após o da instrutora. O fato é que o corrido na empresa, na terça, tem muito em comum com o ocorrido no café, no domingo. O que meu amigo homossexual teve em comum com a instrutora heterossexual? O discurso de denegação, repetido à exaustão, e coberto por uma fina camada de modernidade, um véu progressista -- representado na terça pelas músicas de Ana Carolina e no domingo pelo comportamento espontâneo exibido em público.

Daniela Mercury teve curto período de grande popularidade, no início da carreira. Atualmente, quando se fala de um trabalho artístico seu, de imediato alguém torce a boca, diz ser ela insuportável, que trata mal os fãs e por aí vai. Seguem-se inúmeros relatos de grosseira gratuita. A produção artística da cantora é costumeiramente sobrepujada por seu temperamento. No entanto, isso não deveria influenciar no julgamento de seu trabalho e de todos os seus atos pessoais. Daniela é embaixadora da UNICEF no Brasil e possui projetos sociais voltados para crianças carentes, o que é ignorado por quase todos. Sem falar em diversas declaração favoráveis aos direitos de minorias anteriores à atual polêmica. Ao assumir publicamente a sua relação com Malu Verçosa, Daniela Mercury tornou este ato político e não há meio de negar a contribuição advinda disto.

A notícia da relação homoafetiva virou manchete de jornais e revistas. Em pouquíssimo tempo, Daniela estampava a capa dos hebdomadários mais vendidos, dava entrevistas aos principais telejornais nacionais. Nas redes sociais, o assunto ganhou ainda mais destaque. É claro que isso contribui para a carreira da cantora, que estava distante da mídia. Mas existem também contribuições valiosas para a luta das minorias LGBTTT e isso não pode ser ignorado. Afirmar que a cantora tornou pública sua relação homossexual com o único intuito de se promover é, no mínimo, uma tentativa de desqualificar, diminuir politicamente o ato. Os prós para sua carreira são ínfimos diante do conteúdo político embutido em sua declaração, principalmente se levado em consideração o atual contexto político brasileiro. É preciso ter cuidado com essas afirmações, pois elas escondem um discurso preconceituoso e, repetidos por gays, podem representar um tiro no próprio pé.

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