domingo, 10 de fevereiro de 2013

Sorria, você está na ditadura da alegria!

Aqui na Bahia (quando se fala no Estado, na verdade está-se referindo à capital, Salvador), vivem-se ciclos festivos. Assim pensam pelo menos os turistas brasileiros, numa repetição de estereótipos de dar nos nervos. "Na Bahia, é festa todo dia", repetem os incautos conhecedores da cultura local. Para confirmar, é só assistir às reportagens feitas por qualquer emissora de TV durante o verão, nas quais os visitantes entrevistados proferem frases prontas com o esforço de quem aciona um botão do controle remoto. Elogiam o clima, a hospitalidade, a alegria do "povo baiano". A imagem do soteropolitano, maximizada à condição de baiano (num Estado com quatrocentos e dezessete municípios), é tão forte que o próprio espera vê-la em si e nos seus conterrâneos. Quem não se identifica com ela -- não é detestar, diga-se de passagem -- precisa ter sangue frio. A eterna alegria baiana pode ser sentida como uma ditadura por aqueles que, como eu, não compactuam com ela.

Conscientemente ou não, os entrevistados dos programas televisivos respondem à/ao repórter exatamente o que ela/ele deseja ouvir, o motivo para o qual a matéria foi concebida. Dos espectadores, portanto, espera-se o orgulho de ver sua cidade elogiada, de se ver elogiado pela imagem com a qual se identifica e que, de alguma forma, ajuda a construir. A baianidade é a alcunha elevada à identidade que resume o baiano way of life. Em momento algum se pensa na origem desse modelo, se surgiu de uma estratégia do governo para atrair turistas, se surgiu de uma ideia da indústria cultural baiana para aumentar a venda de seus produtos -- alguns são os próprios bens simbólicos --, se de ambos...

Diversas músicas da Axé Music ratificam esse modelo baiano: Sou Mineiro, de Tomate; Festa na Bahia, da Banda Mel; Beijo na Boca, de Netinho; Amor Tropical, do Asa de Águia; A Galera, de Ivete Sangalo; Terra Festeira, de Daniela Mercury; e muitas, muitas outras. Todas elas fazem apologia à alegria, algo que emana naturalmente do "povo baiano", visto em cada esquina (sério?). O fato é que todos os anos segue-se o mesmo ritual: após o réveillon, o assunto da vez é o carnaval; após o carnaval, é o São João. E as insistentes perguntas, travestidas de cobranças, não tardam a aparecer: "vai passar o carnaval aqui?", "em que bloco vai sair?", "vai sair todos os dias?", etc. As perguntas em si não incomodam, são perfeitamente normais. Faz-se o mesmo nas vésperas de um feriado prolongado, por exemplo. O problema é a reação à resposta quando esta foge ao padrão. 


Há muito reclamo do carnaval soteropolitano, sua mesmice, seu caráter cada vez mais comercial -- não que eu seja contra, mas reduz-se bastante, a cada ano, o espaço do folião pipoca nas ruas, parte mais animada da festa, na minha opinião. Então, ano passado, decidi aposentar-me. Eu e Everaldo fomos à Sauípe curtir um carnaval longe da confusão. Deu certo. Gostamos muito da experiência. Querendo ou não, é uma ótima oportunidade para viajar e conhecer/revisitar lugares. Mas, tem que viajar. Se ficar na capital e disser que não vai à rua sequer um dia, você é um E.T.

Ainda hoje me perguntam se vou ao carnaval -- às vezes as mesmas pessoas, em dias diferentes. Quando respondo negativamente, sempre demandam o motivo e eu digo que não sinto vontade. Aí começa o meu drama. Parece obrigatória a participação na festa, apesar de apenas 19% da população que permanece na cidade optar por ir às ruas. Dos quase 3 milhões de habitantes, 571 mil foram para as ruas, segundo pesquisa Infocultura, realizada em 2010. É muito pouco! Pior ainda é não acreditarem no meu argumento -- sempre vai existir um julgamento. Para alguns colegas de trabalho, é impossível não ter vontade de pular carnaval. Arranjam logo outras desculpas, como o fato de eu não estar solteiro. Algum motivo justo, no julgamento deles, deve haver. Ninguém, em bom estado de saúde, não sente vontade de pular carnaval. A farra, o extravaso, a folia está no sangue do "baiano", não há como ser removida. Diante dessa rolo compressor homogeneizante, só tenho a dizer: como "baiano" sofre...


2 comentários:

  1. Que número interessante, somente 19% dos moradores foram à rua em 2010!
    Realmente, esse número é mais do que suficiente pra derrubar a "teoria" do baiano festeiro....
    Adorei, beijos.
    Dani

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  2. Dani, e desses 19%, ainda tem a parcela que vai para o carnaval para trabalhar, não para brincar. O número é ainda menor. ;-)

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