Desde 2009 que eu planejava fazer um intercâmbio cultural na França. Era
um sonho de adolescente nunca antes realizado por falta de “paitrocínio”. E o
inglês, tão corriqueiro em nossas vidas globalizadas, também não me motivava
tanto quanto o fez o francês nesses últimos anos. Será por ser ela a língua do
biquinho, do suprassumo da frescura, do glamour? Diga a qualquer conhecido que
você faz curso de francês e aguarde milissegundos para notar um discreto sorriso,
por vezes contido, seguido de algum comentário óbvio sobre sua escolha e uma
lista – finita – de palavras e frases desconexas num sotaque de quebrar os
saltos de Louis XIV. Mas será que só existem homossexuais naquelas bandas? Pois
bem, enfiei meu bico na mala e fui aprimorá-lo ano passado, por dois intensos
meses. Que experiência maravilhosa! Vi de tudo um pouco na terra da can-can. Assisti a cachorro frequentar
lojas, bares, restaurantes – só faltou dizer bonjour. Vi pessoas carregarem baguetes embaixo do braço, sem
nenhuma proteção, em contato direto com o sovaco – tempero perfeito. Mas o que
me marcou mesmo foi vislumbrar o desfile de roupas masculinas pelas ruas das
cidades que visitei. Antes que a mente maudosa comece a maquinar, não, eu não
sou estilista. Não, também não sou cabeleireiro, maquiador, decorador... Sou
analista de sistemas e estudante de artes... Ops, me pegou! Mas o fato é que os
franceses, independente da idade, não abrem mão de todas as combinações de
cores possíveis, algumas até inimagináveis. O guarda-roupa deles é uma
verdadeira aquarela. E não percebi, em nenhum momento, um olhar de estranheza,
a não ser o meu. Demorei uma semana para me acostumar, gostar, achar bonito.
Também, não é para menos. Minha educação não diferiu muito dos demais
brasileiros. Existe cabra macho no país que use, se vista, seja diferente da
maioria? Não vale citar momentos do carnaval como exemplo, essa festa do
excesso, da inversão e também da visibilidade de todas as mazelas sociais.
Macho que é macho não usa rosa: foi a água sanitária que desbotou o vermelho
original do tecido. Não dirige pálio: pilota carro grande, de porte. Não gosta
de musical: prefere filme de aventura, policial e terror. Comédia romântica nem
se fala. Ele não toma drink, muito
menos degusta vinhos: come água até trocar as pernas. Não come salada: devora
um quilo de carne bem passada. O macho não faz pilates ou qualquer outro
exercício na sala aeróbica: pega peso, quer ficar “pocado”, de dar inveja a um
flamingo. É preciso usar o corpo para impressionar, mas só da cintura para
cima. A vaidade não pode descer além dos órgãos genitais. “Malhação de perna é
calça”, já dizia um colega meu do trabalho. O verdadeiro macho também não
assiste à ginástica artística: apenas futebol e, agora, UFC. Ele nunca quer
casar: consente, diante da pressão da fêmea. Nunca notou os bonecos que decoram
o topo dos bolos de casamento? A fêmea está sempre segurando seu macho, que
tenta fugir a qualquer custo. A homogeneidade do macho brasileiro é de
espantar, e reflete-se também na roupa que veste. E diante disso, onde eu
amarro meu pônei? Eu, que gosto de cerveja... encorpada, forte, de preferência
preta. Eu, que gosto de futebol, apesar de não mais praticá-lo; fiz escolinha
na adolescência, eu era o goleiro; hoje em dia, até frequento estádio, evento
cada vez mais raro, não por minha culpa, mas do Bahêa, que nunca vai bem. Mas
os machos alfas não me consideram um deles. Só porquê sou gay, veja só! Dia
desses, cheguei no trabalho com um tênis vermelho e consegui chamar a atenção
de alguns só por isso. Um tênis. Outro dia, acontecimento mais recente, fui com
uma calça verde escura, que comprei na viagem à França. Pronto. Recebi elogios
ofidiosos: uma colega disse que eu estava vestido como um adolescente; outra, que
eu parecia um integrante da banda Restart. O que fazer, né? Cada qual
com suas referências. Só fico me perguntando se as (sub)celebridades que aderem
ao estilo colorido europeu, tão in,
também são analisados criticamente. Coitados. Eles devem estar, tanto quanto
eu, acometidos pela síndrome de Peter Pan. E quem disse que eu desisto? Faz
tempo que não domestico meu próprio corpo. Como diz um ditado árabe, “inveja é
a falta de fé em si”. Portanto, adoro ser quem, o que e como sou. Vejo, gosto,
compro, se tiver dinheiro, e uso, onde achar que devo. Assim, posso assumir
gostos tradicionalmente masculinos e/ou femininos. Claro, eu não estou livre de
julgamentos, não há como fugir deles. E quem disse que os juízes de meu corpo,
de meus gostos também não são por mim avaliados? Afinal, chega um momento da
vida em que a gente aciona o “foda-se” e vai ser feliz. E isso, sim, é atitude
de homem. Eles que tomem coragem e façam o mesmo.
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