domingo, 24 de fevereiro de 2013

Cronicamente transviado



Desde 2009 que eu planejava fazer um intercâmbio cultural na França. Era um sonho de adolescente nunca antes realizado por falta de “paitrocínio”. E o inglês, tão corriqueiro em nossas vidas globalizadas, também não me motivava tanto quanto o fez o francês nesses últimos anos. Será por ser ela a língua do biquinho, do suprassumo da frescura, do glamour? Diga a qualquer conhecido que você faz curso de francês e aguarde milissegundos para notar um discreto sorriso, por vezes contido, seguido de algum comentário óbvio sobre sua escolha e uma lista – finita – de palavras e frases desconexas num sotaque de quebrar os saltos de Louis XIV. Mas será que só existem homossexuais naquelas bandas? Pois bem, enfiei meu bico na mala e fui aprimorá-lo ano passado, por dois intensos meses. Que experiência maravilhosa! Vi de tudo um pouco na terra da can-can. Assisti a cachorro frequentar lojas, bares, restaurantes – só faltou dizer bonjour. Vi pessoas carregarem baguetes embaixo do braço, sem nenhuma proteção, em contato direto com o sovaco – tempero perfeito. Mas o que me marcou mesmo foi vislumbrar o desfile de roupas masculinas pelas ruas das cidades que visitei. Antes que a mente maudosa comece a maquinar, não, eu não sou estilista. Não, também não sou cabeleireiro, maquiador, decorador... Sou analista de sistemas e estudante de artes... Ops, me pegou! Mas o fato é que os franceses, independente da idade, não abrem mão de todas as combinações de cores possíveis, algumas até inimagináveis. O guarda-roupa deles é uma verdadeira aquarela. E não percebi, em nenhum momento, um olhar de estranheza, a não ser o meu. Demorei uma semana para me acostumar, gostar, achar bonito. Também, não é para menos. Minha educação não diferiu muito dos demais brasileiros. Existe cabra macho no país que use, se vista, seja diferente da maioria? Não vale citar momentos do carnaval como exemplo, essa festa do excesso, da inversão e também da visibilidade de todas as mazelas sociais. Macho que é macho não usa rosa: foi a água sanitária que desbotou o vermelho original do tecido. Não dirige pálio: pilota carro grande, de porte. Não gosta de musical: prefere filme de aventura, policial e terror. Comédia romântica nem se fala. Ele não toma drink, muito menos degusta vinhos: come água até trocar as pernas. Não come salada: devora um quilo de carne bem passada. O macho não faz pilates ou qualquer outro exercício na sala aeróbica: pega peso, quer ficar “pocado”, de dar inveja a um flamingo. É preciso usar o corpo para impressionar, mas só da cintura para cima. A vaidade não pode descer além dos órgãos genitais. “Malhação de perna é calça”, já dizia um colega meu do trabalho. O verdadeiro macho também não assiste à ginástica artística: apenas futebol e, agora, UFC. Ele nunca quer casar: consente, diante da pressão da fêmea. Nunca notou os bonecos que decoram o topo dos bolos de casamento? A fêmea está sempre segurando seu macho, que tenta fugir a qualquer custo. A homogeneidade do macho brasileiro é de espantar, e reflete-se também na roupa que veste. E diante disso, onde eu amarro meu pônei? Eu, que gosto de cerveja... encorpada, forte, de preferência preta. Eu, que gosto de futebol, apesar de não mais praticá-lo; fiz escolinha na adolescência, eu era o goleiro; hoje em dia, até frequento estádio, evento cada vez mais raro, não por minha culpa, mas do Bahêa, que nunca vai bem. Mas os machos alfas não me consideram um deles. Só porquê sou gay, veja só! Dia desses, cheguei no trabalho com um tênis vermelho e consegui chamar a atenção de alguns só por isso. Um tênis. Outro dia, acontecimento mais recente, fui com uma calça verde escura, que comprei na viagem à França. Pronto. Recebi elogios ofidiosos: uma colega disse que eu estava vestido como um adolescente; outra, que eu parecia um integrante da banda Restart. O que fazer, né? Cada qual com suas referências. Só fico me perguntando se as (sub)celebridades que aderem ao estilo colorido europeu, tão in, também são analisados criticamente. Coitados. Eles devem estar, tanto quanto eu, acometidos pela síndrome de Peter Pan. E quem disse que eu desisto? Faz tempo que não domestico meu próprio corpo. Como diz um ditado árabe, “inveja é a falta de fé em si”. Portanto, adoro ser quem, o que e como sou. Vejo, gosto, compro, se tiver dinheiro, e uso, onde achar que devo. Assim, posso assumir gostos tradicionalmente masculinos e/ou femininos. Claro, eu não estou livre de julgamentos, não há como fugir deles. E quem disse que os juízes de meu corpo, de meus gostos também não são por mim avaliados? Afinal, chega um momento da vida em que a gente aciona o “foda-se” e vai ser feliz. E isso, sim, é atitude de homem. Eles que tomem coragem e façam o mesmo.

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